A revisão mais recente do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030) introduz uma nova linha de actuação para “promover uma dieta alimentar de baixo carbono", que inclui a criação de uma estratégia nacional para promover o consumo de proteína vegetal.
Segundo as organizações ProVeg Portugal e ZERO, a presença desta novidade num plano de tal importância é um marco importante, com benefícios significativos para a sustentabilidade alimentar do país e para a saúde da população portuguesa. No entanto, as organizações defendem que enfrenta ainda desafios. Entre eles estão a falta de uma definição clara das fontes de financiamento, prazos de implementação considerados excessivamente longos e a ausência de métricas adequadas para medição e avaliação de impacto.
Esta última versão do PNEC 2030 já está disponível no site da Comissão Europeia. A nova linha de actuação do PNEC 2030 deverá, segundo o documento, promover “uma dieta diversificada, incluindo a redução do consumo de proteínas de origem animal e promoção de consumo de alternativas proteicas de base vegetal”, tendo em vista reduzir emissões de gases de efeito estufa do sector agrícola e promover uma alimentação mais saudável.
Como medidas para alcançar este objectivo, o PNEC 2030 refere a criação de uma estratégia nacional para promover o consumo de proteína vegetal, nomeadamente de leguminosas, a capacitação formativa e o reforço de oferta de refeições de base vegetal nas cantinas públicas, bem como campanhas de divulgação acerca dos benefícios do consumo das proteínas vegetais. Complementarmente, prevê a promoção de cadeias curtas agroalimentares, que visam reduzir os consumos energéticos e as emissões poluentes devido às menores necessidades de acondicionamento, transporte e refrigeração dos produtos. Nesta mesma linha de actuação, aborda-se ainda a necessidade de redução do desperdício de alimentos e alteração dos modos de produção.
Segundo a organização ProVeg Portugal, um próximo passo importante é a efectiva criação de um plano de acção para a proteína vegetal, que contemple um conjunto de iniciativas concretas e coordenadas com outros organismos do Estado envolvidos na área da alimentação. “Este plano deve, acima de tudo, impulsionar a cadeia de valor da proteína vegetal em Portugal. É fundamental promover o consumo e a produção interna, reforçando os apoios ao desenvolvimento de fontes proteicas vegetais, bem como à investigação e à inovação associadas.”, lê-se no comunicado.
“Portugal tem muito a ganhar com o desenvolvimento deste sector, tanto em termos ambientais e de saúde pública, como em termos de oportunidades económicas. Outros países europeus, como a Dinamarca, já estão a seguir este caminho”.
Porquê uma dieta de baixo carbono?
O consumo alimentar em Portugal constitui a principal componente da pegada ecológica nacional, cerca de 30%, superando até a dos transportes. O país destaca-se como aquele com a maior pegada alimentar per capita entre os países mediterrâneos, dependendo fortemente da biocapacidade de outros países para suprir a sua procura alimentar.
O elevado consumo de carne, incluindo peixe, é responsável por, pelo menos, 49% da pegada alimentar nacional, colocando pressão nos ecossistemas nacionais. Estima-se que dietas adequadas em calorias e com menor consumo de carne poderiam reduzir o défice ecológico do país entre 10% e 19%, respectivamente. “As leguminosas desempenham também um papel central na sustentabilidade da produção alimentar. Para além de fixarem azoto nos solos, reduzindo a necessidade de fertilizantes sintéticos, promovem uma agricultura mais resiliente e de baixo impacto.”, afirma Pedro Horta, da ZERO, especialista em agricultura, floresta e biodiversidade.
A agricultura em Portugal é responsável por 12% das emissões totais de gases de efeito estufa, sendo que 56% provêm da fermentação entérica, associada ao processo digestivo dos animais da pecuária, e 14% da gestão de efluentes pecuários. Assim, uma maior predominância da alimentação de base vegetal pode reduzir significativamente estas emissões.
A soberania alimentar é também outro aspecto em destaque, uma vez que, no que toca às leguminosas secas, Portugal produz apenas 14% do que consome. Segundo as organizações, as leguminosas, como feijão, grão-de-bico, ervilhas, lentilhas, apresentam um baixo custo de produção e elevada durabilidade e versatilidade, representando uma solução sustentável para fornecer proteína à população, contribuindo ainda para uma agricultura melhor adaptada às alterações climáticas.
Já que no que toca à saúde humana, o nutricionista Lucas Oliveira salienta que “as leguminosas são ricas em nutrientes-chave, como proteína, ferro, fibra, folato, magnésio e zinco, estando o seu consumo associado à redução do risco de hipertensão, de doenças cardiovasculares, de mortalidade por todas as causas e de doença arterial coronária.”
Esta novidade no PNEC 2030 reflete o reconhecimento, por parte do Governo português, da importância de uma dieta rica em vegetais e de baixo impacto ambiental, um posicionamento que tem vindo a ser adotado a nível europeu. Em setembro, um relatório apresentado à Comissão Europeia, no qual participaram agricultores e representantes da indústria, recomendou à União Europeia desenvolver um plano de ação focado em alimentos de origem vegetal, aumentar o financiamento para práticas agrícolas sustentáveis e promover alterações nos subsídios agrícolas.
A revisão do PNEC 2030 alinha Portugal com as recomendações europeias e surge como uma oportunidade para reduzir o impacto da alimentação ao promover alternativas proteicas de base vegetal e impulsionar a agricultura nacional no caminho da agroecologia e da soberania alimentar.